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Imagine;
Estamos em Paris. Estamos em 1900. Estamos no início de Março. A Exposição Universal está a chegar, e Paris está em pleno desenvolvimento. Deixámos os nossos corpos físicos em casa. De facto, somos uma idéa, uma parte de nós, que você não conhecia. Nós não falamos, mas comunicamos. É agradável. É como se fôssemos uma só pessoa.
Visitámos e vimos pela primeira vez uma cidade inteira, com uma estranha sensação de jà ter visto. Foi um dia chuvoso, as pessoas tinham tendência a ficar debaixo dos abrigos. Para nós, a chuva foi bastante agradável, e eu diria mesmo que tornou a nossa visita mais fácil.
Estamos à noite, visitámos a Praça da Bastilha, tomámos as avenidas em direcção à Praça da Républica que passámos, estamos no Bulevard Montmartre, e vamos em direcção à Ópera!
O sol acabou de se pôr, passámos um dia inesquecível. Na realidade, não estamos a andar, é como se a dois metros de altura, estivéssemos a deslizar.
Chegamos a Praça da Ópera, à nossa direita, no terraço de um bistrô, a única mesa ocupada atira a nossa atenção! Aproximamo-nos, as pessoas não notam a nossa presença. Há quatro pessoas. Uma menina de cinco ou seis anos de idade, uma jovem mulher e dois homens. Um homem vira-nos as costas, e pelas suas roupas percebemos que é um asiático.
É Hoàng Trong Phu, vimo-lo à esquerda, na carta postale
(13h). Hoàng é (especial). Hoàng tem dons inexplicáveis! Hoàng conhece o "futuro", conhece segredos que lhe permitem fazê-lo, e sabe que deve imperativamente mudá-lo!
Hoang sabe que ele se tornará a Lei do seu país. Uma lei baseada nas tradições, e à qual Hoàng sabe que a pessoa à sua frente, lhe permitirá fazer alterações!
De facto Hoàng vai exibir as suas obras sobre seda, na casa de Cholon (Cochinchine), e veio a este lugar de propósito, porque sabia que iria encontrar esta família. É uma família suíça. O homem à sua frente é Rodolphe Miéville acompanhado pela sua esposa Anna e pela sua filhinha Anne. Ele é um ex-colega de escola. Estudaram em Paris há alguns anos.
Mas eu penso. Você conhece a menina, é Anne, vimo-la oito anos mais tarde na imagem
(11h), à direita, com as suas botas brancas.
Foi Anne que comentou, numerou e datou os postais que vos apresentei nos suportes de cor castanha.
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Imagine;
Somos uma idéa, O seu corpo não-material não tem sexo.
Estamos em 1908, e você é uma jovem, você é aquela jovem mulher em
(7h) no centro da imagem, com uma fita branca na cabeça.
Durante o espaço de um segundo, um fotógrafo acaba de vos fazer esquecer as suas preocupações. Ele até conseguiu tirar-lhe um pequeno sorriso, enquanto o seu primo Hai-Hien, nem notou a presença de um fotógrafo.
Acaba de ser acusada de ter participado numa tentativa de envenenamento do 4º Regimento de Artilharia Colonial. Está inocente dessa acusação, e pensa que, em breve, os seus acusadores irão perceber que estão a cometer um erro.
De facto, o seu primo, que é cozinheiro, tem quase o dobro da sua idade e está na altura de se casar. Sabe que ele está de olho em si, ele não a desagrada, e você prevê um futuro feliz com muitos filhos. Hai-Hien acaba de lhe arranjar trabalho, e recentemente tem estado a trabalhar como ajudante de cozinha, e agora é acusada de ter participado numa tentativa de envenenamento.
Alguns dias depois vemos você na imagem
(8h); a toda a velocidade, desce os degraus do tribunal, como se a sociedade a tivesse acabado de deitar fora.
Em menos de duas horas, das treze pessoas acusadas, nove das quais você faz parte, acabam de ser condenadas a ser executadas por decapitação.
À noite, na prisão, soube que quatro dos condenados foram executados assim que chegaram à prisão, e que teve sorte, só será executada dentro de um mês, porque eles estão a preparar para si uma execução "Especial Grande Público".
Você já não sabe se não teria sido melhor ter sido executada imediatamente, mas diz-se a si própria que, enquanto estiver viva, há esperança.
Durante um mês, apenas comeu, quase não dormiu, apenas tinha uma unica ocupação. Rezar, rezar e rezar.
Pediu ajuda a todos os deuses, a todos os santos e todos os anjos de que tinha ouvido falar.
Inventou orações, fez promessas insensatas.
E veio então aquele dia fatídico de 6 de Agosto de 1908. São nove horas, as portas da prisão abrem-se
(11h), e você é forçada a sair, precedida pelos seus dois companheiros de infortúnio.
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